Sábado, 27 de Junho de 2009

Matéria Escura

Apesar dos esforços dos astrônomos, grande parte da matéria do Universo continua a escapar às suas observações. E não sabemos nem mesmo do que ela é feita
por Patrizia Caraveo e Marco Roncadelli

Deformação gravitacional: imagem de um quasar distante, multiplicada pelo efeito de lente gravitacional conhecido como "cruz de Einstein"
Para entender como e do que é feito o Universo, os astrônomos devem fazer cuidadosos recenseamentos dos objetos celestes procurando medir a sua distância e atribuir-lhes uma massa. Nessa tarefa são ajudados pela maravilhosa simplicidade das leis da física, que supomos serem aplicáveis a todo o Universo. As surpresas, por sorte, logo nos lembram que estamos muito longe de ter claras as idéias. Se pensarmos que o estudo do cosmo por meio da radioastronomia, óptica, raios X e gama possa nos fornecer um quadro completo do nosso Universo estaremos cometendo um erro grosseiro. Há décadas sabemos que a matéria luminosa - aquela que "vemos" porque emite radiação eletromagnética, ou seja, luz, ondas de rádio, raios X e gama - é apenas uma parcela insignificante de toda a matéria que exerce uma função gravitacional. Este é o famoso problema da "matéria escura", um dos desafios mais estimulantes da astrofísica atual.

Matéria escura é certamente um nome evocativo, uma vez que estamos falando de algo cuja natureza é desconhecida e de difícil detecção. Da mesma forma que os buracos negros, a matéria escura escapa às nossas observações diretas. Sabemos com certeza que existe somente porque vemos os seus efeitos sobre a matéria luminosa.

Assim, começamos por nos perguntar como é possível nos darmos conta da existência da matéria escura. A resposta não é unívoca, dado que são aplicadas metodologias diversas dependendo dos objetos a serem considerados. Algumas delas serão descritas a seguir, mas queremos ressaltar desde já que parte do que diremos baseia-se em uma descoberta de Christian Doppler. Em 1842 ele observou que o som emitido por uma fonte em movimento mostra-se, a um observador parado, em uma freqüência superior quando o objeto se aproxima e inferior se o objeto se distancia. É o famoso efeito Doppler, válido para qualquer fenômeno ondulatório, do apito de um trem em alta velocidade à radiação eletromagnética. Se aplicado às linhas presentes nos espectros dos objetos celestes, ele permite determinar a velocidade da fonte de radiação em relação a nós. Mas vamos proceder por ordem, examinando em primeiro lugar as galáxias individualmente para, em seguida, passar ao conjunto das galáxias e portanto ao inteiro Universo observável.

Em uma primeira aproximação, a astronomia calcula a massa de uma galáxia com base em sua luminosidade: galáxias mais luminosas contêm mais estrelas e portanto são mais maciças do que as menos luminosas. Tem-se assim uma medida direta da massa luminosa das galáxias. Existem, porém, outros métodos mais gerais para avaliar a massa total de uma galáxia: eles exploram o movimento de rotação que se estende a todas as suas estrelas, típico das "galáxias em espiral". A exemplo dos planetas do sistema solar, as estrelas e nuvens de gás que compõem essas galáxias são animadas por um movimento de rotação e descrevem órbitas mais ou menos circulares em torno do centro. Nesse movimento, a velocidade de cada estrela depende, além da distância do seu centro, da parcela de massa galáctica presente no interior da sua órbita. Portanto, o estudo sistemático desses movimentos nos permite medir a massa total das galáxias em espiral. O gráfico das velocidades medidas em função da distância do centro é chamado de curva de rotação galáctica.

Andrômeda (esquerda), é um exemplo de galáxia espiral. A curva de rotação (acima) mostra como o valor da velocidade cresce até um máximo, e depois diminui. Contrariando as expectativas, procedendo em direção à margem externa, a velocidade se estabiliza sobre um valor constante. O fenômeno pode ser explicado pela suposição de existência de matéria não-luminosa
Paradoxo galáctico

Examinando os espectros de muitas estrelas de uma galáxia em espiral, selecionadas de modo a que tenhamos distâncias do centro progressivamente crescentes, esperamos observar que a curva de rotação inicialmente cresça, à medida que aumenta a distância do centro para, a seguir, uma vez englobada toda a massa da galáxia, diminuir.

Em outros termos, esperamos que as estrelas nas bordas da galáxia se movam mais lentamente do que as mais internas, numa analogia com o que ocorre com os planetas do sistema solar. Entretanto, a natureza nos reserva uma surpresa: após um crescimento linear - em correspondência com a região central - a curva de rotação se estabiliza em um valor constante à medida que aumenta a distância do centro.

Apesar de ser impossível encontrar duas galáxias com curvas de rotação idênticas, é surpreendente constatar que praticamente todas as curvas de rotação medidas têm o mesmo andamento qualitativo. O que se esconde atrás desse comportamento?

Para explicar a curva de rotação plana das galáxias em espiral devemos supor que nas suas regiões externas exista uma significativa quantidade de matéria não-luminosa , em condições de conpensar a diminuição da velocidade que esperávamos encontrar apenas da matéria luminosa. Comos se distribui a matéria escura? Infelizmente as observações não nos permitem dar uma resposta unívoca. Temos de proceder às avessas, supondo diversas distribuições de matéria escura e estudando o andamento das correspondentes curvas de rotação. Obtemos o comportamento plano supondo que o componente luminoso de uma galáxia em espiral esteja cercado por um halo esferoidal de matéria escura. No caso da Via Láctea - que é uma típica galáxia em espiral brilhante - a matéria escura é estimada em cerca de 1012 massas solares, que deve ser confrontada com uma massa luminosa de 7 x 1010 massas solares. Isso significa que a quantidade de matéria escura é pelo menos 10 vezes superior àquela da matéria luminosa.


A existência de matéria escura nos conjuntos de galáxias é conhecida desde 1933, quando Fritz Zwicky estudou os movimentos no conjunto de galáxias que leva o poético nome de Cabeleira de Berenice. A sua estratégia pode ser assim resumida: em um sistema auto-gravitante isolado (como um conjunto) vale o teorema do virial, segundo o qual a energia potencial gravitacional do sistema (proporcional à sua massa total) deve ser igual ao dobro da energia cinética total dos constituintes (as galáxias, no caso dos conjuntos). Isso pode ser entendido de modo intuitivo: se a energia cinética dominasse, o sistema se expandiria, ao passo que - no caso contrário - tenderia a colapsar; uma condição de equilíbrio só é possível se a energia cinética for a metade da energia potencial. A velocidade das galáxias que compõem o conjunto é calculável sobre a base do deslocamento Doppler das linhas presentes nos espectros galácticos; motivo pelo qual a estimativa da massa total é imediata.

No caso da Cabeleira, encontramos uma massa total de 9,6 x 1014 massas solares, contra uma massa luminosa de 1,4 x 1013 massas solares. Portanto, a quantidade de matéria escura é 60 vezes maior do que a da matéria luminosa.

Janelas de observação

Pode-se chegar à mesma conclusão por um caminho diferente, explorando a emissão de raios X dos conjuntos. Nos anos 70 descobriu-se que os conjuntos de galáxias emitem raios X com energia da ordem de 10 quiloeletrovolt. O estudo do espectro da radiação X também esclareceu a origem dessa emissão. Trata-se da radiação de Bremsstrahlung (literalmente "radiação de freio") que os elétrons de um gás ionizado emitem quando são acelerados (desacelerados) do campo eletrostático de um íon do gás. Essa descoberta demonstrou que os conjuntos de galáxias contêm também um gás ionizado - na temperatura de cerca de 10 milhões de graus celsius - cuja massa resulta ser de cerca de 1014 massas solares, portanto bem maior do que a massa luminosa. Mas essa descoberta tem uma implicação ainda mais importante. A partir do estudo da emissão X é possível concluir que a quantidade total de matéria presente no conjunto está em conformidade com as estimativas obtidas usando o teorema do virial.

Uma confirmação posterior foi obtida recentemente através do efeito da lente gravitacional. Segundo a teoria einsteiniana da gravidade, uma distribuição de massa provoca a curvatura do espaço. A propagação da luz assim é distorcida na presença da matéria, que age como uma lente, multiplicando, aumentando ou deformando a imagem da fonte. Após os primeiros estudos de fontes puntiformes, cujas imagens resultavam multiplicadas pela presença de uma galáxia sobre a linha de vista, foram observadas distorções da imagem de uma fonte extensa. As galáxias são deformadas e o estudo da deformação permite determinar a massa da lente gravitacional. Imagens de conjuntos de galáxias tornaram evidente a presença de diversas galáxias distorcidas. Trata-se de galáxias de fundo, muito mais distantes de nós do que o conjunto em questão. A sua luz é refletida pelo conjunto que encontra no seu caminho, o que permite que se tenha uma estimativa da massa total de muitos conjuntos.

Conforto entre a curva de rotação medida da Via Láctea (ao lado) e a que se esperaria se a galáxia fosse constituída somente de matéria visível. A velocidade do Sol, neste caso, seria de apenas 160 quilômetros por segundo. A matéria não- luminosa, responsável por esta discrepância, é estimada em 1012 massas solares, contra as 7 x 1010 massas solares da matéria luminosa
Informações importantes sobre quantidade e qualidade da matéria escura são obtidas pelo estudo das propriedades globais do Universo. Devemos, portanto, fazer uma breve incursão no campo da cosmologia, utilizando o modelo cosmológico standard que emerge da teoria einsteiniana da gravidade sob a hipótese de que o espaço seja homogêneo e isótropo. Evidentemente essas propriedades referem-se a observações efetuadas em escala cósmica, maiores, em grande medida, que as dimensões de um conjunto de galáxias.

Espaço curvo

Segundo o modelo cosmológico standard, o Universo é um espaço com curvatura constante, que pode se expandir ou contrair durante a sua evolução. Mas se o espaço é homogêneo e isotrópico, não pode existir nenhum "centro do Universo" em relação ao qual ocorra a expansão ou contração. Este aparente paradoxo pode ser compreendido se imaginarmos que o Universo é semelhante à superfície de um balão que pode ser inflado ou esvaziado. A superfície externa do balão é o análogo bidimensional de um espaço com curvatura constante positiva, enquanto a do seu interior corresponde a um espaço de curvatura negativa.

O Universo se expandiu desde a sua origem com o Big Bang, ocorrido por volta de 15 bilhões de anos atrás; e essa expansão se manifesta no movimento de distanciamento recíproco das galáxias, descoberto por Edwin Hubble, em 1929. No âmbito do modelo cosmológico standard, a expansão cósmica é sempre desacelerada, em virtude da atração gravitacional entre os objetos que o compõem.

Tanto a geometria do Universo, quanto a sua evolução dependem da quantidade de matéria que ele contém. É conveniente expressar a correspondente densidade cósmica média em termos do parâmetro de densidade cósmica ?, definido como a relação entre a densidade medida e a chamada "densidade crítica", característica de um Universo com curvatura nula, ou seja descrito pela geometria euclidiana que bem conhecemos. Se a densidade média é baixa em relação à densidade crítica, temos ? <> 1: a curvatura é positiva e, a partir de um certo momento, o Universo começará a se contrair, até atingir um estado singular simétrico ao Big Bang. Uma terceira possibilidade corresponde ao caso ? = 1. Neste caso a densidade média é exatamente igual à crítica: então o Universo é espacialmente plano - ou seja, euclidiano - e a taxa de expansão se reduzirá progressivamente a zero.

A existência de matéria escura foi sugerida, em 1933, pelo astrônomo suíço Fritz Zwicky em aglomerados galácticos distantes como o da Cabeleira de Berenice
Quanta matéria existe no Universo?

Começamos recenseando a matéria luminosa. Trata-se de átomos semelhantes àqueles dos quais somos feitos, constituídos de prótons e elétrons, tecnicamente chamados de bárions. A densidade dos bárions luminosos corresponde a um valor de ? não superior a 0,005. Então vimos que a matéria escura exerce um papel preponderante tanto ao nível das galáxias quanto dos seus conjuntos. Temos, portanto, que encontrar uma estratégia para avaliar a densidade de toda a matéria, independentemente do fato de "vê-la" ou não.

O estudo da radiação cósmica de fundo, que permeia o Universo como resto fóssil do Big Bang, nos oferece a possibilidade de medir ?. Só recentemente foi alcançada uma precisão instrumental capaz de decodificar a grande quantidade de informações que a radiação cósmica de fundo nos oferece sobre as propriedades globais do Universo. Particularmente os dados reunidos pela miss ão Boomerang implicam ? = 1. Trata-se de um resultado de importância extraordinária, porque de um lado nos informa que vivemos em um Universo euclidiano e, do outro, que a matéria luminosa é insignificante em relação à matéria invisível. Os mesmos dados também podem ser utilizados para avaliar a densidade de todos os bárions: ela corresponde a um valor de ? igual a cerca de 0,05 (este resultado é confirmado pela teoria de nucleo-síntese fundada no modelo cosmológico standard).

A conclusão é perturbadora: de um lado, 95% da massa do U niverso é constituída de matéria escura não bariônica. Do outro, 90% dos bárions são escuros. Qual a forma assumida pelos bárions escuros? Mas, principalmente, do que é feito o resto do Universo, ou seja, a maior parte da matéria? Trata-se de um gravíssimo golpe ao antropocentrismo.

Quatro séculos atrás fomos obrigados a aceitar que não estamos no centro do Universo. Agora descobrimos que somos feitos de uma matéria que constitui minúscula parcela do Universo.

Mapa mostra a distribuição de aproximadamente 2 milhões de galáxias numa região equivalente a 10% de todo o céu, próxima ao Pólo Celeste Sul
WIMPs e quinta-essência

Um constituinte da matéria escura não bariônica são os WIMPs (ver box na página 31). A sua existência é necessária para explicar a formação das estruturas cósmicas, como as galáxias e os seus conjuntos. Por isso é natural supor que a matéria escura presente nos halos galácticos e nos conjuntos de galáxias seja formada principalmente por WIMPs, além de bárions escuros. É possível demonstrar que, em um cenário desse tipo, ? vale cerca de 0,3: os WIMPs são mais abundantes que os bárions, mas não bastam para tornar o Universo euclidiano.

A solução para este dilema seria, aparentemente, banal: bastaria imaginar que os WIMPs faltantes estivessem espalhados no espaço cósmico. Na verdade - como às vezes acontece - a natureza é mais fantasiosa que aqueles que a estudam, porque existem razões para se considerar que os WIMPs não esgotam toda a matéria não bariônica. Um estudo sobre as propriedades globais do Universo baseado na observação de uma amostra de estrelas extremamente distantes (para serem visíveis devem ser muito brilhantes, sendo as escolhidas denominadas supernovas o tipo Ia) mostrou que o universo atual está se expandindo de modo acelerado.

À primeira vista parece que estamos diante de um paradoxo, porque sabemos que no âmbito do modelo cosmológico standard a expansão cósmica é necessariamente desacelerada, devido à mútua atração gravitacional exercida pela matéria nele contida.

Devemos talvez concluir que o modelo cosmológico standard esteja errado? A situação é menos dramática do que pode parecer. Pode-se "salvar" o modelo - com os seus extraordinários sucessos - presumindo a existência de um novo tipo de matéria escura difundida no Universo, desde que ela possua propriedades radicalmente diferentes daquelas que atribuímos à matéria ordinária. Não se sabendo bem do que se trata, foi chamada com o nome aristotélico de "quinta-essência". Tanto os comuns bárions quanto os WIMPs se caracterizam por uma pressão positiva: se forem colocados no interior de um pequeno balão, este tenderá a se expandir sob o efeito da pressão correspondente. Porém, se o objetivo for explicar a aceleração do Universo, é necessário que a quinta-essência se comporte de modo oposto: se fosse encerrada em um pequeno balão, este tenderia a se contrair. Em outros termos, a quinta-essência deve ter uma pressão negativa. De fato, pode-se demonstrar que essa pressão dá lugar a uma "gravidade repulsiva" que, portanto, acelera a expansão cósmica. O estudo das supernovas Ia produz também um resultado quantitativo: a contribuição da quinta-essência à ? é de cerca de 0,65. Agora o valor de ?, obtido pela soma das contribuições devidas aos bárions, aos WIMPs e à quinta-essência, é de 0,05 + 0,3 = 0,65, ou seja, justamente 1, em conformidade com o resultado da missão Boomerang. Infelizmente, não sabemos mais nada sobre a natureza da quinta-essência.

Visão artística mostra o telescópio espacial Hubble apontado para o centro da galáxia espiral NGC 4321 semelhante à Via Láctea
Bárions escuros e raios gama

Por fim, vamos nos dedicar à natureza da matéria escura bariônica, a qual - apesar de menos exótica do que os WIMPs e da quinta-essência - não é menos interessante e elusiva.

Apesar de terem sido levantadas diversas hipóteses quanto à sua composição, a mais natural é que se trate de estrelas ou nuvens de gás presentes nos halos galácticos, que não conseguimos "ver" porque a radiação emitida é muito fraca.

Uma classe de candidatas compreende as estrelas ordinárias no final da sua fase evolutiva, tais como as estrelas anãs brancas, as estrelas de nêutrons e os buracos negros.

Estudos recentes, porém, excluíram essa possibilidade: se assim fosse, os halos galácticos conteriam uma quantidade excessiva de "metais" (elementos mais pesados que o hélio) produzidos durante a evolução estelar. O problema não se apresenta se supormos que a matéria escura bariônica seja formada por "anãs marrons": corpos celestes com massa pouco inferior a um décimo da massa solar; muito pequenos para que as reações termonucleares, que tornam luminosas as estrelas ordinárias, escureçam. Portanto, não existe modo de observar as anãs marrons. O seu mecanismo de formação implica que elas estejam reagrupadas em conjuntos escuros, que também contêm gás frio - principalmente hidrogênio molecular - sob a forma de nuvens. É notável que a teoria standard, ao explicar a formação dos conjuntos globulares (aglomerados esferoidais de centenas de milhares de estrelas), também anuncie a existência desses conjuntos escuros na região mais externa dos halos galácticos, justamente onde sabemos que deva se encontrar a matéria escura.

Imagem em infra vermelho da galáxia espiral Whirpool, acompanhada de sua galáxia-satélite, a NGC 5195, a 20 milhões de anos-luz de distância
Como fazer para detectar a sua presença? Na primeira metade dos anos 90, a descoberta do efeito de microlente gravitacional parecia oferecer o instrumento ideal para descobrir as anãs marrons presentes no halo escuro da Via Láctea. Também neste caso, a base do fenômeno reside na deflexão da luz que se produz quando a anã marrom cruza a linha visada de uma estrela puntiforme de fundo. Mas- ao contrário do que ocorre com as galáxias - as imagens múltiplas estão muito perto para serem observadas individualmente; a sua sobreposição, entretanto, provoca uma amplificação da luminosidade da estrela que está sendo examinada. Apesar de os eventos de microlente terem sido efetivamente observados, a sua interpretação se mostrou mais complexa que o previsto. Seguramente as anãs marrons não esgotam a matéria escura do halo, que presumivelmente também contém nuvens de gás bariônico frio.

As miragens gravitacionais podem não ser a única arma à disposição dos caçadores de matéria escura bariônica. Na verdade, as nuvens de gás frio facilmente escapam aos radioastrônomos, mas não podem evitar que os prótons de alta energia - presentes nos raios cósmicos - produzam raios gama no choque com os prótons dos seus núcleos. Se estas nuvens fossem responsáveis por uma parcela não desprezível em relação à matéria escura presente no halo galáctico, a intensidade da sua emissão gama deveria ser detectável com os instrumentos atuais. A esse respeito é importante ressaltar que a limitada resolução angular dos reveladores gama não permite distinguir a emissão proveniente de nuvens reagrupadas em conjuntos escuros de um fundo difuso. Por outro lado, a análise estatística de alto nível pode permitir que se determine se um fluxo gama provém do halo galáctico ou tem origem extragaláctica. Em 1998 essa análise foi feita sobre a emissão gama observada pelo revelador EGRET a bordo do satélite CGRO lançado pela NASA. O resultado parece indicar que se trata, efetivamente, de uma emissão devida ao halo galáctico, mas em casos como estes a prudência é obrigatória.

Serão as próximas missões de astronomia gama a nos dizer quantos destes raciocínios estão corretos. Primeiro decolará a missão italiana AGILE e a seguir GLAST, um instrumento muito ambicioso, no qual a Itália tem um papel importante. Estudando os seus dados, espera-se que a matéria que não vemos se torne um pouco menos obscura.
Habitantes fugidos do universo
As WIMPs (Weakly Interacting Massive Particles) são as novas partículas elementares prognosticadas por várias extensões do modelo de Glashow-Weinberg-Salam, que descreve as interações fortes, fracas e eletromagnéticas entre partículas elementares.

A classe mais promissora desses modelos é formada pelas teorias de supercorda. Devido à sua fraca interação com a matéria ordinária, as WIMPs presentes na Via Láctea são de difícil detecção.

Além disso, o seu efeito no interior de um revelador pode ser facilmente confundido com a interação produzida pelos nêutrons dos raios cósmicos. Com a finalidade de eliminar esse inconveniente, as experiências são feitas sob uma montanha ou embaixo da terra. Uma dessas experiências - denominada DAMA e atualmente em curso no Laboratorio Nazionale del Gran Sasso do Istituto Nazionale di Fisica Nucleare (INFN) -- observou um sinal consistente com o que se espera das WIMPs.

Entretanto, somente após uma eventual confirmação por parte de outras experiências (algumas das quais serão realizadas no Gran Sasso) saberemos se as WIMPS foram efetivamente descobertas. Um método indireto para a revelação das WIMPs baseia-se na identificação de partículas nas quais elas se aniquilam, como nêutrons de alta energia, anti-prótons, pósitrons e raios gama. Finalmente, deve-se dizer que o método conceitualmente mais simples de demonstrar a existência das WIMPs é o de produzi-las em laboratório. Mas para isso é preciso esperar que entre em função o Large Hadron Collider do CERN de Genebra, que não estará em operação antes de 2006. Deve-se ressaltar que esta última estratégia não substitui as experiências subterrâneas, porque a revelação in loco continua sendo a única maneira para conhecer a relevância astrofísica das WIMPs.
Resumo
- A matéria luminosa, que emite radiação eletromagnética, é apenas uma parcela insignificante de toda a matéria presente no Universo.

- Estudando as galáxias em espiral, observa-se que a velocidade de rotação das estrelas situadas nas partes externas é maior que o previsto. Isto só se justifica supondo que nessas regiões exista uma grande quantidade de matéria não-luminosa.

- A pesquisa dos conjuntos de galáxias também confirma - tanto pela espectroscopia óptica, quanto pela observação dos efeitos de lente gravitacional - a presença de matéria que escapa à observação direta.

- Segundo as observações da missão Boomerang, o parâmetro que mede a densidade cósmica deveria ser igual a 1, mas a matéria ordinária (luminosa ou não) participa apenas com 5%.

- Os astrônomos propuseram diversos candidatos como possíveis constituintes da matéria escura: entre eles estrelas não-luminosas, como as anãs marrons, as evanescentes WIMPs e uma exótica forma de matéria denominada "quinta-essência".

Fonte: Sc Am Br

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Domingo, 31 de Maio de 2009

Conceito de Matéria e Energia

O conceito de matéria

No estudo da Ciência, a composição do Universo é dividida em duas entidades – matéria e energia. De acordo com o método cientifico, devemos realmente admitir que pode haver no Universo algo mais além da matéria e da energia, mas até agora a Ciência não encontrou este componente. A matéria inclui os materiais que formam o Universo: as rochas, a água, o ar e a multiplicidade de coisas vivas. Tudo que é sólido liquido ou gasoso é uma forma de matéria.

Classificar algo como matéria não significa, entretanto, que conheçamos a natureza real da matéria. Sabemos que os químicos desdobram a matéria para determinar seus constituintes, e o físico deseja saber o que mantém tais constituintes unidos; mas as partículas fundamentais e as leis da matéria parecem ser sempre um desafio.

A melhor maneira de adquirir um conceito de matéria é trabalhar com ela e descrever suas várias formas. Uma descrição não é uma definição no sentido real da palavra, mas reduz uma idéia abstrata a termos bem concretos.

Propriedades da matéria

As propriedades são usadas para descrever a matéria. Ao descrevermos uma pessoa, por exemplo, referimo-nos às suas propriedades: sua altura, aparência, disposição, habilidades; semelhantemente, todas as espécies de matéria apresentam propriedades, e do mesmo modo que alguém pode ser identificado pela relação de suas propriedades, determinada espécie de matéria o pode ser por intermédio de suas características. Na verdade, é mais fácil discutir a matéria em termos de suas propriedades do que explicar a sua natureza final,

As propriedades da matéria podem ser divididas em duas categorias: as que podem ser determinadas sem alteração essencial da substância, e aquelas que só se evidenciam quando a substância sofre interação com outra forma de matéria.

A última classe de propriedades, que exigem uma mudança na composição da matéria, inclui as chamadas propriedades químicas, enquanto que as primeiras, em que não há necessidade disto, são chamadas propriedades físicas. Por exemplo, a capacidade de uma substância de queimar-se é uma propriedade química, enquanto que o seu ponto de fusão é uma propriedade física.

O número de propriedades que pode ser enumerado para uma substância é virtualmente infinito. Os manuais especializados de Física e Química dedicam centenas de páginas ao relacionamento das propriedades de várias formas de matéria. Da mesma maneira que existem novas facetas do caráter de uma pessoa, para as quais ela não está alertada, os cientistas constantemente estão descobrindo novas propriedades da matéria.

Em vez de catalogar aqui as propriedades físicas da matéria com que entraremos em contato, é melhor discuti-las à medida que forem surgindo. Mas, no estudo da Física, é importante reconhecer o fato de que, se uma propriedade não pode ser medida e comparada com alguma espécie de padrão, não tem utilidade para o cientista: Sem medida não pode existir Ciência, e quanto mais precisamente se possa medir determinada propriedade, mais completa será a descrição da matéria.

Massa e peso

Uma propriedade básica da matéria é sua massa: A massa de uma substância é a medida da quantidade de matéria nela contida. As medidas de massa são baseadas no quilograma/massa, que é conservado em um depósito especial no Bureau Internacional de Pesos e Medidas, em Sèvres, próximo de Paris, na França. Em vários lugares de todo o mundo estão guardadas duplicatas deste padrão. No Brasil acham-se guardadas na Casa da Moeda, no Rio de Janeiro.

A massa de uma substância não varia. com a temperatura; pressão ou localização no espaço. Um objeto com a massa de 1 quilograma terá esta massa na Terra, na Lua, em Marte ou quando flutuando no espaço. Mas de que maneira determinamos a massa de uma substância? É suficiente uma comparação de tamanho com a massa padrão? Evidentemente, não, já que os objetos podem ter o mesmo volume, mas concentrações diferentes de matéria; um pode ser firmemente comprimido, como uma peça de metal, enquanto que outro pode ter estrutura esponjosa.

Em lugar do volume, devemo-nos voltar para outra propriedade da matéria sua reação às forças. Por enquanto, podemos definir uma força como algo que tende a modificar a posição ou a direção do movimento de um objeto. Um empurrão ou um puxão é uma força, e a matéria oferece resistência a empurrões ou puxões; quando empurramos um carro parado, o empurrão é a força, e o automóvel resiste a ela. Se não apresentasse tal resistência, não seria necessário o empurrão para colocá-lo em movimento. O fato de resistir mostra que o carro é formado de matéria. A resistência da matéria a qualquer alteração de seu estado de repouso ou movimento é chamada inércia.

A inércia se manifesta não somente quando os objetos estão parados, mas também durante seu movimento. Uma bola de futebol em vôo continuará deslocando-se, a menos que alguma coisa o impeça; quando interpomos a cabeça o em sua trajetória, estamos novamente fornecendo a força necessária para levá-la ao repouso.

Isto sugere a existência de duas espécies de inércia - uma forma estacionária e outra de movimento, mas se trata, na verdade, da mesma propriedade da matéria que se está mostrando em circunstâncias diversas.

A inércia da matéria é a chave para a medida da massa. Se dois objetos materiais,, inteiramente livres para se moverem; oferecem a mesma resistência a fuma dada força, então possuem a mesma massa, isto é, contêm a mesma quantidade de matéria.

Um instrumento criado para a medida de massas por esta relação é a balança de inércia; se uma substância ou objeto é colocado na barra horizontal desta balança, e o sistema posto em vibração, o objeto mover-se-á para um lado e para o outro periodicamente, e a freqüência deste movimento dependerá da massa do objeto e da rigidez das molas. Como estas fornecem a força e a massa oferece a resistência, a balança de inércia é independente de sua localização no espaço.

Se for conhecido o tempo de vibração de uma massa padrão, outras massas podem ser medidas determinando-se o tempo das vibrações que ocasionam. Isto pode ser feito locando-se em um gráfico as freqüências de várias massas conhecidas, e fazendo o mesmo com a freqüência da massa desconhecida, ou por meio da seguinte fórmula:

m1/T1 = m2/t2

na qual m1 é uma massa conhecida (inclusive a massa da plataforma da balança), m2 a massa desconhecida (mais plataforma), T1 o tempo para uma vibração completa (ida e volta) de m1, e T2 o tempo correspondente para m2. Um bom método de determinar T1 e T2 é deixar a balança oscilar 100 vezes, e dividir o tempo total por 100.

Desta experiência podemos concluir que a massa é a medida da inércia de um objeto.

Um termo que é muito confundido com massa é peso. Peso é uma medida da força gravitacional que atua sobre uma substância. Como esta força varia com a distância entre dois objetos, o pêlo de um corpo não é constante, e na ausência desta força será nulo, mas sua massa permanece inalterada.

Uma unidade de força usada em Física é o newton; esta unidade não será definida de forma completa aqui, as o importante a lembrar aqui é que o newton e o quilograma não são unidades equivalentes. Com isto queremos dizer que é possível transformar quilogramas em newtons, ou vice-versa, da mesma forma que transformamos metros em centímetros. Trata-se de quantidades físicas diferentes, mas é correto dizer-se, por exemplo, que a massa de 1,0 quilograma pesa 9,8 newtons no nível do mar.

Nas mesmas condições, os pesos de dois objetos estão na mesma razão que suas massas. Os dispositivos mais comumente usados no laboratório de Física para medir, massas e pesos são a balança de pratos e a balança de mola.

A balança de prato compara a força gravitacional que atua sobre dois corpos por meio de alavancas, enquanto que a balança de mola mede esta força sobre um corpo, pela distorção de uma mola. Desta maneira, os dois aparelhos comparam massas indiretamente, já que as razões das massas são as mesmas que as dos pesos.

A leitura da balança de mola variará com a altitude, e nenhum dos dois dispositivos poderá ser usado para comparar massas em um ambiente de gravidade nula. São, na verdade, "pesadores", e não "medidores de massa", já que não medem diretamente a massa de um objeto.

Uma propriedade da matéria Intimamente relacionada com a massa é a massa específica, que se refere à quantidade de matéria em dado volume, e é definida como a massa de uma substância por unidade de volume. Assim, se um corpo ocupa um volume de 15 m3 e tem a massa de 450 kg, sua massa específica é 30 quilogramas por metro cúbico. A fórmula matemática é:

Ao se enunciar a massa específica de uma substância, é importante incluir as unidades (quilogramas por metro cúbico, gramas por centímetro cúbico, ou qualquer outra unidade de massa por unidade de volume), para que se possa compará-la com outros valores de massa específica.

Condições da matéria

Muitas propriedades da matéria não são constantes, variando com as condições do ambiente. Assim, a água congela quando está suficientemente fria, e ferve quando é aquecida o necessário. Em cada caso, as propriedades físicas da água foram alteradas. Da mesma forma, a massa especifica de um gás aumenta quando o mesmo é colocado sob pressão, e diminui quando a pressão é reduzida.

O ambiente da matéria é conhecido como suas condições. As condições incluem, entre outras coisas, a temperatura, pressão, concentração (no caso de soluções) e carga elétrica. Muitas das relações de causa e efeito que serão estudadas em Física, tanto na sala de aula como no laboratório, dirão respeito às variações de uma propriedade de uma substância com a mudança nas condições.


O conceito de energia

A energia é ainda mais difícil de definir que a matéria. Ela não tem peso e só pode ser medida quando está sendo transformada, ou ao ser liberada ou absorvida. Por isso, a energia não possui unidades físicas próprias, sendo expressa em termos das unidades do trabalho que realiza. Em outras palavras, energia é a capacidade de realizar trabalho.

Apesar de não ser definida com facilidade, a energia, em geral, é bastante perceptível, pelo fato de estar o homem dotado de sentidos apropriados para registrarem a presença de várias formas de energia. Nossos olhos reagem à energia luminosa, nossos ouvidos detectam a energia sonora; nervos especiais são sensíveis à energia térmica e outros nervos nos informam quando entramos em contato com energia elétrica.

Além das formas de energia que podem ser percebidas por meios fisiológicos, os cientistas descobriram outras variedades, o que significou a necessidade do desenvolvimento de instrumentos especiais de detecção e medida, para registrarem seus efeitos. Ainda mais, os cientistas ampliaram o campo e a sensibilidade dos sentidos humanos, por meio de dispositivos registradores especiais. Dentre as formas de energia que se enquadram nesta categoria "extra-sensorial" estão a energia química, a energia nuclear e a energia eletromagnética, acima e abaixo da faixa de freqüências que os seres humanos podem perceber.

O estudo da energia é o conceito unificador da Física. Mais especificamente, o trabalho da Física é acompanhar e medir o curso da energia ao passar de uma forma para outra, pois as diversas formas de energia são intercambiáveis. E como a energia, da mesma maneira que a matéria, em geral não é criada nem destruída, segue um ciclo sem principio nem fim.

Tomemos, por exemplo, a energia que gastamos em um passeio a pé. Nós a recebemos dos alimentos que comemos,

Um exemplo de energia potencial gravitacional

A quantidade de energia no livro depende do ponto zero escolhido para a experiência, os quais, por sua vez, a obtiveram dos nutrientes do solo e das radiações do sol; este desenvolveu-a nas reações nucleares em seu interior, etc. Acompanhando a continuação da marcha desta energia, a pressão de nossos pés sobre o solo aquece-o ligeiramente, e este calor é irradiado para o espaço, ajudando a evaporar a água da terra; o. que torna possível a chuva, etc.

Como podemos concluir, um único ciclo de energia pode cobrir um curso inteiro de Física, e até mesmo ramificar-se em várias outras ciências.

É importante ressaltar novamente que o estudo da natureza pode ser realizado como ciência pura e como tecnologia. A física pura trata das leis que descrevem as transformações da energia, e a Tecnologia toma essas leis e aplica-as à vida diária. Os princípios fundamentais da conversão da energia nuclear em elétrica fazem parte da física pura, mas a utilização de tais princípios na produção de energia elétrica, para uso industrial ou doméstico, enquadra-se nos domínios do engenheiro.

As diversas formas de energia classificam-se logicamente em duas categorias: energia de movimento e energia de posição ou configuração. A primeira é chamada energia cinética, enquanto que a segunda recebe o nome de energia potencial.

Energia potencial

Se um livro for empurrado de cima de uma mesa, cairá ao chão, e enquanto está caindo, poderá chocar-se com algum outro objeto, e exercer uma força sobre ele. Neste processo, estará havendo transferência de energia do livro para o objeto, e se pesquisarmos a origem desta energia, verificaremos que estava contida no livro, quando o mesmo repousava sobre a mesa. O livro adquiriu tal energia quando alguém o levantou até o nível do tampo da mesa. A energia armazenada em um corpo é chamada energia potencial.

Como a energia potencial pode sei convertida em trabalho, empregam-se as unidades de trabalho para medir e descrever esta forma de energia.

Uma das unidades de trabalho é o newton-metro, que combina as grandezas força e distância; quando o livro cai para o chão, os newton-metro de energia que possui são transformados em trabalho, que se converte principalmente em energia térmica, no choque com o piso.

De certo modo, o chão é um ponto zero arbitrário para o nosso exemplo. Se for cortado um buraco no mesmo, embaixo do livro, ele continuará a cair e a realizar mais trabalho; assim, para cada problema sobre energia potencial gravitacional, deve-se escolher um nível zero lógico.

Um objeto pode ter, também, energia potencial não relacionada com a gravidade. Por exemplo, uma mola comprimida adquire sua energia da força que foi exercida sobre ela para colocá-la em tal situação; é o que se chama energia potencial interna. A energia química, de uma bateria de acumuladores é outro exemplo.

A energia potencial interna não é tão fácil de calcular como a gravitacional, pois exige a familiarização com as transformações de várias formas de energia, e algumas, em especial as relacionadas com o interior do átomo, podem levar o problema até às fronteiras da física moderna.

Uma experiência interessante, no campo da energia potencial, é determinarmos o destino da energia existente em uma mola comprimida, quando a dissolvemos em um ácido. Para onde vai sua energia interna? Que espécie de controle podemos estabelecer para verificarmos as hipóteses feitas? Discuta o. problema com seus colegas e veja o que pode ser proposto, e depois planeje uma experiência para verificar as idéias formuladas.

Energia cinética

Qualquer objeto em movimento possui energia cinética. Isto é o mesmo que dizer que tudo tem energia cinética, pois os cientistas estão convencidos de que tudo que existe no universo está-se movendo de algum modo.

Desta forma, deparamo-nos outra vez com o problema de escolher um ponto zero arbitrário, ou um ponto estacionário, no presente caso. Em geral, na Física terrestre, a superfície da Terra é considerada como estacionária, e um objeto nela em repouso é tomado como tendo energia cinética nula.

A energia cinética de um objeto depende de sua massa e de sua velocidade, e as unidades usadas são o quilograma e o metro por segundo. Não veremos aqui, mas a combinação de unidades pode ser convertida na mesma unidade de trabalho usada para a energia potencial, o newton-metro. Em outras palavras, a energia cinética de um objeto é a medida de sua capacidade de realizam trabalho sobre outros objetos; quando é levado até o repouso.

Existe uma interação constante entre energia potencial e energia cinética. Consideremos novamente o pêndulo; quando está no ponto mais alto de sua oscilação, fica momentaneamente estacionário, e neste ponto toda sua energia é potencial, exceto a energia cinética interna. À medida que começa a descer, parte da energia potencial se transforma em energia cinética, e no ponto mais baixo da trajetória, que consideraremos como nível zero para a energia potencial, a energia cinética do pêndulo é máxima, pois tem a máxima velocidade. À medida que sobe no outro lado do arco, o intercâmbio de energia se inverte. Durante todas estas transformações, a quantidade total de energia é a mesma - trata-se somente da passagem de um tipo para outro. Esta constância da energia total de um sistema é chamada conservação da energia.

A conservação da energia foi demonstrada de forma indiscutível pelas clássicas experiências realizadas pelo Conde de Rumford e por James Prescott Joule, na primeira parte do século XIX.

Naquela época, a maior parte dos cientistas considerava o calor como um fluido, chamado calórico, que podia entrar ou sair dos objetos, sem afetar seu pêso. 0 Conde Rumford interessou-se pela teoria calórica quando supervisionava a perfuração de barras de bronze, para a fabricação de tubos de canhões; as aparas de bronze resultantes do trabalho de perfuração ficavam tão quentes que podiam ferver a água, quando jogadas dentro dela. De onde provinha todo esse "calórico”?

De acordo com a teoria calórica, este fluido era "espremido" do bronze durante a perfuração, mas Rumford verificou que outras peças de bronze quente podiam aquecer a água com a mesma eficiência que as aparas dos tubos dos canhões. Isto mostrou que, afinal, não existia o calórico, e que o calor não era uma substância, e sim provavelmente Algo muito relacionado com o movimento do processo de perfuração. Rumford raciocinou ainda que a quantidade de calor que poderia ser assim obtida era ilimitada.

Joule continuou as investigações a respeito do calor, estabelecendo a relação exata entre ele e a energia mecânica. Verificou que a quantidade de calor produzida é determinada pelo trabalho mecânico consumido; tal relação é discutida em textos de Física Térmica.

A equivalência entre calor e energia mecânica forneceu evidências fortes de que o calor deve ser uma forma de energia, apoiando também a teoria de que a quantidade total de energia permanece constante quando ela é transformada de uma espécie em outra.

Relação entre matéria e energia

Até aqui estivemos discutindo matéria e energia como se fossem duas espécies inteiramente diversas de realidade. Contudo, as duas estão, em geral, inseparavelmente _ relacionadas. Cada objeto contém algum tipo de energia, e a idéia de energia quase sempre não apresenta significado, se não puder ser descrita em termos da substância com que está associada. Por exemplo, a energia térmica não existe no vácuo perfeito, e a energia elétrica, na grande maioria dos casos, reside em partículas ou objetos.

Em 1905, Einstein exprimiu a relação entre matéria e energia por meio da célebre fórmula:

E=mc2

na qual E representa unidades de energia (unidades de trabalho), m é a massa e c a velocidade da luz. Einstein desenvolveu esta fórmula a partir de considerações totalmente teóricas, e na época não havia meios de verifica-la em laboratório. Experiências recentes, todavia, mostraram que a fórmula é correta.

A fórmula de Einstein estabelece que há uma proporcionalidade entre massa e energia, isto é, quando uma cresce a outra também aumenta, e quando uma diminui a outra decresce. A fórmula pode ser interpretada como significando que determinada quantidade de massa é equivalente a certa energia. Assim, usando 300.000 m/s como velocidade da luz, a massa de um quilograma é equivalente a 90MJ.

A massa de um objeto varia com a velocidade. Quando um objeto está em repouso em relação ao observador e seus instrumentos de medida, dizemos que tem sua massa de repouso. Estando o objeto em movimento, sua massa cresce, aumentando rapidamente à medida que o objeto se aproxima da velocidade da luz; é a massa relativística, assim chamada por estar de acordo com a teoria da relatividade de Einstein. Na fórmula massa-energia, acima, m é a massa relativística. A tabela a seguir mostra a relação entre a velocidade de um objeto e sua massa relativística


Um exemplo simples servirá para ilustrar a idéia de massa relativística e sua relação com a energia. Quando lançamos uma bola, estamos-lhe fornecendo energia, isto é, há transferência de energia entre nós e a bola. A fórmula massa-energia nos mostra que, enquanto a bola está em movimento, sua massa será maior que no repouso. Tanto a energia como a massa da bola aumentaram, e a massa e a energia suplementares foram por nós fornecidas. Todavia, não se trata de um bom método para emagrecer, a menos que pudéssemos lançar a bola com uma velocidade próxima da luz. Quando a bola pára, sua massa retorna ao valor de repouso, e sua energia cinética é quase toda transformada em calor.

Durante todos esses acontecimentos, tanto a massa como a energia foram conservadas, não havendo criação ou destruição de nenhuma delas. Tal fato é expresso pela lei da conservação da matéria e da energia: a quantidade total de matéria e energia no Universo permanece constante. Trata-se de uma das leis mais importantes da Física, mas não se deve supor que a fórmula de Einstein é uma prova da mesma, pois esta fórmula seria válida mesmo que a energia e a massa totais do Universo variassem.

As leis da conservação apóiam-se em repetidas medidas de laboratório, que mostram que a massa e energia não se perdem nas reações químicas e físicas. Alguns cientistas acreditam que estas leis não são válidas para as grandes energias e massas do espaço exterior; mas isto ainda não foi verificado; os desvios previstos por estes cientistas são muitos pequenos para que possam ser medidos diretamente com os instrumentos atuais.

A relação entre matéria e energia tornar-se-á evidente no estudo da Física, ainda de outro modo. Geralmente cona energia luminosa em termos e a matéria em termos de partículas. Na realidade, existem ocasiões em que a luz age como se tivesse propriedades materiais. Em outras palavras, existem fenômenos luminosos que só podem ser explicados considerando a luz como formada de partículas discretas. Por outro lado, as partículas de matéria apresentam propriedades ondulatórias.

Esta dualidade de onda e partícula é uma chave, e ao mesmo tempo um quebra-cabeça, na Física, e os cientistas admitem francamente que estão longe de compreendê-lo completamente. Talvez o leitor venha um dia a desempenhar papel importante na resolução deste segredo fundamental da natureza.

Adaptado de “Mecânica” do Prof. L. P. Maia
(importante: a abordagem do texto acima é bastante elementar, não abrangendo teorias e hipóteses mais contemporâneas).

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