PSEUDOCIÊNCIAS

Profissão: astrólogo?

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From: "Felipe AR" <fe@warj.med.br>
Reply-To: Fisica_Medica_USP@yahoogroups.com
Date: Sat, 31 Aug 2002 20:58:56 -0300
To: <Fisica_Medica_USP@yahoogroups.com>, "Thiago Tazinafo" <thiago@neuron.ffclrp.usp.br>
Cc: "Nerd" <tasoares@uol.com.br>

Subject: [Física-Médica - USP] Só pode ser piada...


Só pode ser piada a resposta do senador Artur da Távola dada ao artigo de Marcelo Gleiser.

O sujeito não tem a MÍNIMA noção do que seja ciência.

Vejam só cada coisa estapafúrdia que nós somos obrigados a escutar (ou ler).

Seguem os dois textos.

 

 

 

Profissão: astrólogo?

MARCELO GLEISER

(professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover, EUA)

Durante minha recente visita ao Brasil, fiquei sabendo do projeto de lei nº 43 de 2002, de autoria do senador Artur daTávola (PSDB-RJ), que visa a regulamentar a profissão de astrólogo. Tendo em vista que o senador foi membro de comissões especiais que elaboraram importantes leis e estatutos, incluindo a lei de defesa do consumidor e a lei de diretrizes e bases da educação nacional, confesso que fiquei muito surpreso e decepcionado com o presente projeto.

Ao ler a justificativa para tal proposta, minha decepção transformou-se em choque: o projeto propõe que a astrologia seja ensinada nas universidades, incluindo graduação e pós-graduação, com currículo regulamentado pelo MEC. Segundo o texto do projeto, a sua elaboração contou com "pensamentos e caracterizações de autores ligados à práxis, mantendo-se o pragmatismo inerente a uma conceituação legal". Aparentemente, nenhum cientista foi consultado.

Sem dúvida alguma, a astronomia deve muito à astrologia: já os babilônios, dois mil anos antes de Cristo, olhavam para os céus em busca de mensagens enviadas pelos deuses. O céu, sendo a morada dos deuses, era sagrado. Os movimentos dos corpos celestes e das constelações eram interpretados como sendo a escrita divina, carregada de significado e prognósticos para nós aqui embaixo. Portanto, para os babilônios _e todas as outras culturas que olhavam para cima em busca de mensagens e revelações_, os céus eram uma entidade sobrenatural, regida pela poder divino. Como os prognósticos dependiam da posição relativa entre os planetas (os cinco conhecidos até então) e as 12 constelações do Zodíaco, quanto mais precisas as medidas das posições dos corpos, mais "precisas" seriam as previsões.

Essa busca por uma precisão cada vez maior das posições planetárias levou ao desenvolvimento de modelos extremamente sofisticados, como o dos epiciclos e equantes de Ptolomeu, proposto em torno de 150 d.C., no qual as posições planetárias futuras poderiam ser determinadas com uma precisão equivalente a uma ou duas luas cheias. Esses modelos combinavam a crença astrológica na existência de uma significado sobrenatural para os céus com os seus movimentos regulares, transformando o cosmo em uma máquina repleta de engrenagens as mais complexas.

O próprio Ptolomeu escreveu um tratado dedicado à astrologia, o "Tetrabiblos", no qual dizia que a prática astrológica "acalma a alma por meio do conhecimento de acontecimentos futuros, como se eles estivessem ocorrendo no presente, e nos prepara para receber com calma e equilíbrio o inesperado". Ou seja, o aspecto mais importante da prática astrológica é a sua capacidade de prever o futuro, para que se possa recebê-lo de forma calma e equilibrada. Na linguagem mais moderna, isso se chama "calcular os trânsitos", usando as posições futuras dos planetas para prognosticar o futuro.

Santo Agostinho, no século 4º, condenou firmemente a astrologia, pois ela interferia no livre-arbítrio e na onipotência divina: se tudo está já escrito nas estrelas, nós não podemos optar pelo bem ou pelo mal e a fé em Deus se torna irrelevante. A resposta oferecida pelos astrólogos de então, muito usada ainda hoje, foi que "as estrelas não determinam, apenas sugerem".

O ingrediente fundamental que estava faltando nos modelos de Ptolomeu e outros era a física, que descreve as relações causais que regem os movimentos celestes. Quando Galileu, Kepler e Newton desenvolveram as bases da ciência moderna, descrevendo os movimentos celestes como sendo consequência da força da gravidade, a astrologia começou a se divorciar da astronomia: em um Universo regido por forças causais entre objetos materiais, não havia espaço para relações sobrenaturais entre corpos celestes e pessoas que violassem o conceito mais fundamental da física, a causalidade. Ou seja, é impossível, segundo tudo o que conhecemos hoje sobre o Universo e as suas propriedades físicas, obter informações sobre eventos futuros na vida de uma pessoa lendo os céus. Mais ainda, não existe nenhuma evidência quantitativa de que planetas e estrelas possam influenciar o comportamento de pessoas aqui na Terra. A astrologia não é uma ciência, é uma crença. O mesmo se aplica à quiromancia, à leitura de cartas de tarô, à numerologia, aos búzios. Por que não regulamentar também essas profissões, ensiná-las nas universidades?

Isso não significa que cientistas sejam bitolados ou fechados para novas idéias. Muito pelo contrário: nós dedicamos a vida ao desconhecido. Mas, em ciência, o processo de validação empírica é fundamental. Tudo bem que as pessoas gostem de ler o seu horóscopo no jornal ou ter o seu "mapa astral" analisado por um astrólogo. Isso até leva a uma auto-reflexão, que pode ser muito positiva. Tudo bem que alguém escreva uma tese sobre astrologia, por exemplo, sob o tema história das religiões ou arqueoastronomia. Mas regimentar a astrologia em curso superior é uma volta à Idade Média, quando o natural e o sobrenatural se misturavam sob o véu do medo, da superstição e da ignorância.

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Do paradigma mecanicista ao holístico

ARTUR DA TÁVOLA

O grande físico patrício Marcelo Gleiser, em visita ao Brasil, deu-se ao trabalho de publicar cá na Folha um respeitoso artigo ("Profissão: astrólogo?", Mais!, pág. 22, 28/7) contrário ao meu projeto de regulamentação da profissão de astrólogo, que visa coibir a charlatanice que medra no setor, ao lado da seriedade dos estudos e trabalhos de pessoas respeitáveis do mesmo. Preciso dar-lhe a resposta nos termos que colocou, os científicos. Faço-o em respeito a ele, com a certeza de que escreveu por ouvir falar, e não por haver lido o referido projeto.

Observa-se, no artigo dele, o rodar do mesmo velho disco: "nenhum cientista foi consultado". Como se fora a ciência até hoje atrelada a Newton, Descartes e Freud, pleiteando uma unanimidade petrificada que há muito se perdeu. Observa-se também o desgastado preconceito, advindo de um afastamento patriarcal de formação e vinculado à ignorância (do ato de ignorar) específica diante da amplitude do assunto.

Endosso o pensamento do médico e cientista suíço Carl Gustav Jung, que já há muito rompeu com tal pretensa "unanimidade científica" freud-newton-cartesiana do absolutismo de um pensamento divorciado do sentimento e da intuição.

Da mesma forma que os freudianos se detêm à contingência e voluntariamente se lhes escapa o senso do sentido profundo, os críticos superficiais da astrologia e dos métodos mânticos se enganam ao reduzir as analogias arquetípicas existentes entre o sistema planetário e o modelo humano e os acontecimentos a meras interpretações mecânicas dos movimentos dos corpos celestes e das constelações. A crença na existência de um significado sobrenatural para os céus não é necessariamente astrológica.

Não é bem assim, nem é por aí.

Carl Jung, em sua vasta sabedoria e respaldo científico, por exemplo, também escreveu em face da magnificência cósmica: "Se o não-sentido prevalecesse, o aspecto racional desapareceria".

A separação entre a astrologia e a astronomia não depõe em desfavor de nenhuma delas e pode ser comparada à separação existente entre a alquimia, que evoluiu para a psicologia analítica, e a química. Não postulam os melhores astrólogos nenhuma evidência quantitativa de que planetas e estrelas possam influenciar o comportamento de pessoas aqui na Terra. A astrologia não é uma crença, porém um precioso elenco, parte ciência, parte arte, parte religiosidade.

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Volta à Idade Média é a unilateralidade e a intransigência de pretender impor verdades freudianas limitadas

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Astrologia e bons astrólogos têm sua própria competência e idoneidade.

Inútil é, friso, ataque à astrologia atado a pensamento e percepção, ignorando sentimento e intuição. O mesmo se diga dos métodos mânticos (quiromancia, runas, numerologia, baralho cigano, cristais, tarô, búzios etc.).

Nossa própria cultura tão mais valorizada seria se não nos tivéssemos distanciado tanto da sabedoria ancestral dos indígenas brasileiros.

Persiste a física uma ciência, se não consegue mais definir nem o que seja a matéria? Onde está a validação empírica do que ocorre dentro do átomo e que se concilia com a sabedoria oriental de 500 ou mais anos antes de Cristo? Com a palavra os cientistas...

Volta à Idade Média, a nosso ver, é a unilateralidade e a intransigência de pretender impor verdades freudianas limitadas, destituídas de visão holística, cegas à sabedoria do Oriente; de se restringir, sem nem disso ter sequer consciência, a um radical patriarcado agonizante, como se imaculado fosse.

Nunca, sob a cangalha freudiana, esperando a anulação de sentimento e intuição mercê de simples idéias sob a função pensamento, chegar-se-á à compreensão das maravilhas e verdades astrológicas e dos métodos mânticos.

O horóscopo de 12 signos é uma supersimplificação. Na verdade, cada ente humano é um signo conciliando o limite matemático de se multiplicarem os 12 signos solares pelos 12 "chineses", pelos 12 ascendentes solares, pelos 12 ascendentes "chineses" e progressivamente pelos múltiplos aspectos. A leitura do mapa astrológico se encontra muito mais próxima da verdade astrológica do que um horóscopo de 12 signos.

Constatamos, na verdade, que a divergência existente se associa mais a estados de consciência, aspectos associados e suas consequências do que propriamente a idéias, pelo fato de não poderem ser reduzidas a meras idéias intelectuais todas as luzes do conhecimento que abrange entendimento mais amplo.

Além de recomendar-lhe a leitura de Jung, sugiro-lhe, ademais, aduzir a seus vastos conhecimentos algumas leituras de antroposofia. E lembro, ademais, que entre meus projetos está também o da regulamentação da profissão de filósofo. Mas este não trará polêmica. Por certo terá o aval da ciência ocidental, mecanicista.

 

Artur da Távola, jornalista e escritor, é senador pelo PSDB-RJ e líder do governo no Senado.