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FÍSICOS DO IPEN FALAM SOBRE A CARREIRA


No Centro de Tecnologia das Radiações, Carmem Bueno dá continuidade à linha de pesquisa do professor Marcello Damy, físico de destacada atuação e um dos fundadores do Ipen

Alguns eram fascinados pela possibilidade de explorar o universo, outros tinham bom desempenho escolar na área de exatas. Participaram de feiras de ciências ou tiveram professores que conseguiram transmitir-lhes o gosto pela física. Muitos ainda tinham habilidade para construir equipamentos. A escolha pela carreira não foi fácil. Que o digam as mulheres que optaram por cursar física em uma época em que a associação mulher e ciência não era algo tão comum.

Um levantamento da área de recursos humanos aponta 109 físicos no Ipen, dentre 486 servidores de nível superior, num total de 1.077. Esses profissionais estão atuando nas mais diversas áreas, lotados nos 12 centros de pesquisa da instituição.

No Centro de Tecnologia das Radiações, a pesquisadora Carmem Cecília Bueno Tobias dá continuidade à linha de pesquisa do professor Marcello Damy, um dos fundadores do instituto: desenvolvimento de instrumentação nuclear.

Originária de uma família grande, do interior, e caçula de seis irmãos, ouviu comentários sobre a carreira não ser coisa para mulher. Diante da insistência com a profissão e do desejo de vir para São Paulo, um amigo da família falou-lhe sobre um físico brilhante que, na época, lecionava na PUC/SP: o professor Marcello Damy. Ela passou na faculdade e iniciou o curso com entusiasmo.

Para a pesquisadora, o tipo de raciocínio que o físico está acostumado a desenvolver contribui para que esse profissional ocupe posições de destaque nas mais diversas áreas. A também professora universitária, que sempre faz referência ao mestre ilustre, diz ter aprendido com ele que na carreira é preciso suor e sangue, nem sempre nessa mesma ordem.

Escolhas

O pesquisador Luiz Antonio Mai, do Centro de Engenharia Nuclear, comenta a necessidade de políticas específicas na área de ciências básicas. Há investimento na formação, mas não há aproveitamento de pessoal, de acordo com Mai.

A história do pesquisador, que ao ingressar na faculdade imaginava trabalhar com astrofísica, é bem peculiar. Trabalhou durante um ano e meio no Ipen e por ser esportista achou que sua carreira podia estar longe dos laboratórios. Começou o curso de educação física também na USP e chegou até a trabalhar como bolsista em uma área em que os conhecimentos de física ajudavam bastante: o estudo dos movimentos do corpo. Um pouco depois de concluir o curso, descobriu que queria mesmo ser físico e decidiu pela volta ao instituto, onde atuou no projeto de desenvolvimento do submarino nuclear, no gerenciamento do combustível. Atualmente integra um grupo recém-criado de energia e meio ambiente.

Uma feira de ciências foi o fator motivador de Christovam Romero, da área de radioproteção, para a decisão pela carreira. Ele foi um dos profissionais que trabalhou na descontaminação dos locais afetados pelo acidente radiológico de Goiânia. Um trabalho que acrescentou muito à carreira, especialmente na forma de encarar a atividade que exerce.

Sobre a diminuição da procura pela carreira, comenta que é uma pena, pois o país perde a essência da pesquisa. Se pudesse pedir algo nesse ano internacional da física, pediria mais atenção dos governantes para a área, comenta.

Todos os entrevistados apontaram várias possibilidades de atuação para o físico, mas concordam que não há muitas frentes de trabalho. A profissão de físico não existe; falta regulamentação. E falta renovação nas universidades e institutos de pesquisa, que não estão absorvendo a mão-de-obra que formam, afirma Valdir Sciani, que ingressou como estudante na USP em 1972 e já gostava de física nuclear. Ele sabia que o então Instituto de Energia Atômica estava se expandido e no último ano iniciou suas atividades no IEA como bolsista, estudando danos da radiação em materiais. A pós-graduação foi um caminho natural. Na Alemanha fez a parte experimental de seu doutoramento. Seu trabalho no Centro de Aceleradores Cíclotron contribui para que radioisótopos de importância vital para a medicina estejam disponíveis à sociedade.

O gerente do Centro de Lasers e Aplicações, Nilson Dias Vieira Júnior, atribui aos grandes mestres o gosto e o entusiasmo com a profissão. Não tenho preconceito quando o assunto é trabalho.Faço desde a atividade mais humilde à mais sofisticada, pondera. Acostumou-se a trabalhar com temas avançados e em projetos audaciosos, como ele mesmo define por exemplo a separação isotópica utilizando laser ou a construção de um laser de estado sólido. Em seu doutoramento, realizado em parte nos Estados Unidos, esteve na mesma instituição em que trabalharam sete premiados com o Nobel.

Para Vieira Júnior, falta profissionalizar a pesquisa no país. A questão ciência pura ou ciência aplicada é, na opinião do cientista, um falso dilema. Ele lembra ainda que em qualquer processo o físico pode contribuir. A forma como o país se desenvolveu, sem investir em tecnologias próprias, mas adquirindo-as no exterior, é determinante para a situação em que se encontra hoje a física e demais ciências, constata. Sobre a diminuição da procura pela carreira pelos jovens vestibulandos, ele acha preocupante.

O pesquisador Carlos Benedicto Ramos Parente, do Centro do Reator de Pesquisas, sempre admirou muito os grandes cientistas. Ingressou no curso de física da USP em 1960. Seu gosto por construir aparelhos aliava-se à habilidade. Muitos dos aparelhos nem existiam comercialmente, lembra. O instituto foi seu primeiro emprego depois de formado.

Ao comentar a situação das universidades e institutos de pesquisa, verifica que o sistema funciona de certa forma. É preciso abrir mais vagas e investir em laboratórios. Parente acredita que é necessário uma mudança de mentalidade no país. Ao mesmo tempo, lembra a oportunidade rara para um físico, de trabalhar com um reator nuclear de pesquisas, e ressalta a qualidade do mestrado e doutorado do Ipen.

Vera Lúcia Mazzocchi, pesquisadora no mesmo centro, também é crítica. Fala sobre a falta de perspectiva para os jovens profissionais. Chega a explicitar casos de alunos que entram em depressão, porque se mantêm com a bolsa de pesquisa, se especializam tanto e no fim não se fixam em nenhuma instituição. Não se pode apenas dar condições para a obtenção de títulos, afirma. É preciso melhorar o sistema de ensino, incentivar a pesquisa e a tecnologia.

Pode ser uma aventura ingressar nessa carreira. Assim Maria da Penha Albuquerque Potiens, do Centro de Metrologia das Radiações, comenta a opção pela formação em física. Sua escolha foi norteada pelo melhor desempenho em exatas. Precisava estudar à noite e trabalhar durante o dia. Seu pai era funcionário da área de oficinas do Ipen. E ela se tornou secretária no instituto. Quando terminou a faculdade, começou a assistir aulas como ouvinte na pós-graduação. Conversou com a pesquisadora e atual diretora de segurança radiológica e gerente do Centro de Metrologia das Radiações Linda Caldas, futura orientadora, e tudo deu certo.

Hoje, trabalha em um laboratório onde são feitas calibrações de equipamentos medidores de radiação, usados em radioproteção, radioterapia e radiodiagnóstico. Desenvolve pesquisas para aperfeiçoamento de métodos de calibração. Na sua atividade, vê o retorno para a sociedade de forma muito direta. Sente-se realizada em orientar alunos.

No Centro de Ciência e Tecnologia de Materiais, o dia-a-dia do físico Nelson Batista de Lima é ocupado com difração de raios-X, uma técnica analítica que permite verificar estrutura de materiais. Ao contrário dos Estados Unidos, onde a grande maioria dos físicos está na indústria, no Brasil tudo ocorre de outra maneira. As indústrias batem na porta dos institutos de pesquisa para resolver problemas imediatos, dispara. Um problema apontado por ele é que o estudante não consegue focar onde vai trabalhar como físico.

Ensino

Há dois anos a estudante de física do segundo ano da PUC-SP, Rosângela Ramalho tornou-se bolsista no reator de pesquisas Ipen-MB 01. Ela sabe que é difícil tornar-se pesquisadora, mas quer seguir carreira, investindo na sua pós-graduação.

Luís Felipe Liambos Mura, estudante de física do terceiro ano da USP e também bolsista da mesma área, diz que chamou sua atenção o fato de físicos atuarem em áreas tão distintas, na bolsa de valores até, lembra o jovem, que pretende trabalhar com pesquisas na área de energia.

O diretor de ensino suplente do Instituto de Física da USP (IF/USP), Raphael Liguori Neto, ex-bolsista do antigo IEA (atual Ipen), não sabe se os alunos ingressantes têm noção de que física não é uma profissão regulamentada. O perfil é de jovens essencialmente motivados por algum professor pelo qual tinham empatia.

A formação que damos aqui não é definitiva. É um passaporte para continuar os estudos de pós-graduação, ressalta Liguori Neto. A média de inscritos no vestibular chega a seis candidatos por vaga. São oferecidas 100 vagas no período noturno e 60 no diurno. É um curso que exige muito e tem média de evasão alta, entre 45 e 55 por cento. Para tentar reverter esse quadro, há proposta de mudança da estrutura curricular. O estudante poderia escolher entre licenciatura e bacharelado, e nessa última opção teria conteúdos específicos, como biofísica, ciência de materiais, física médica, aplicações em física nuclear.

Sem dúvida há um subaproveitamento desses profissionais que se formam. O investimento em pesquisa é muito caro. Poucas indústrias estão dispostas a arcar com isso, lamenta ele.

Fonte:
https://www.ipen.br/scs/orbita/2005_01_02/fisica.htm